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domingo, 2 de dezembro de 2012

Depoimento de perseguida e torturada política

Abaixo depoimento de ISANUSIS DE CASTRO CARDOSO


Aos 23 de Janeiro do ano de 1972, ao chegar de Recife, fui presa na Cidade de Campina Grande, mais precisamente na Rua Vidal de Negreiros, s/n, centro da cidade às 22:00 horas. O motivo da ocorrência deveu-se ao fato de ser noiva de José Calistrato e pertencer a ALN (Ação Libertadora Nacional).
De lá já me levaram algemada para o Quartel do Exército em Campina Grande e lá começaram a bater no meu rosto e no meu estomago, me deixando completamente roxa. Depois dessas torturas me levaram para a sessão de afogamento, que consistia em um caldeirão cheio de água, para, mais uma vez, submeter a dores.  Eles botavam, algemada, minha cabeça dentro d`água e contavam até dez e puxava, num verdadeiro vaivém. Depois eles continuavam a tortura, acendendo charutos e, em brasa viva, queimavam meus seios, que ficaram completamente inchados. Essa tortura durou cerca de três horas. Em seguida fui colocada deitada, para ser transportada  como um animal, para o Recife. Estava algemada, no assoalho de uma Kombi, encapuzada, e eles com os pés em cima de mim, numa cena inimaginável para ser vivida por um ser humano, somente um regime brutal como esse tinha essa capacidade de maltratar as pessoas de uma forma tão animalesca.
Chegando em Recife fui encaminhada para o  Quartel General do 4º Exército, localizado no Parque 13 de Maio, ou seja, o tão chamado e propalado DOI – COD. Nesse local, além de me tacharem de perigosa, eu sofria de diversos tipos de torturas. Uma delas, era a psicológica, pois um bando de homens chegava perto de mim e diziam que iriam me levar para ser jogada no mar de Olinda e que no outro dia ao me acharem pensariam que se tratava de uma vagabunda, uma prostituta ou alcoólatra que teria caído no mar. Nesse trajeto senti um verdadeiro terror e a certeza de que iria, de fato, morrer. Sem nenhuma alternativa, comecei a rezar e entreguei minha alma a Deus, o todo-poderoso.
Desse martírio, voltei por volta das cinco da manha, devendo ressaltar que esse terror durou toda à noite. Ao voltar me colocaram dentro de uma  cela. Às 09:00 horas desse dia, me levaram para Olinda, durante esse dia não houve tortura (também pudera, estava toda quebrada). É bom lembrar, no entanto, que nesse dia não me deram de comer.
O recomeço das torturas me angustiaram a cada instante., desta vez me levaram e me colocaram em um pau de arara, foi quando tive o meu braço deslocado. Ainda no pau de arara, alem das algemas, eles me vedaram a boca com esparadrapo e colocaram no meu nariz água com conta-gotas.
Depois desse chocante episódio, e com já grande acúmulo de torturas, veio um medico oficial para me consultar, porque eu estava toda quebrada e não conseguia mais me levantar. Por ironia do destino, o tal médico recomendou-me banho de infra-vermelho. Mas nem isso serviu para que esses homens se sensibilizassem, além das zombarias, eles tiravam muitos gracejos, numa cena humilhante. Isso aconteceu durante o dia. À noite me levaram para mais uma sessão de tortura. Desta vez foi o choque elétrico, botando fio no meu dedo mínimo do pé. Desta sessão, eu me urinava todinha e era alvo de muitas ironias e deboches. Esta foi a ultima tortura no DOI –COD.
Passados sete dias, me levaram para o Quartel da Polícia do Exército em Olinda, para que fosse recuperada das marcas físicas das torturas, para, diga-se de passagem, não mostrar a aberração animalesca desse regime ditatorial. Sem as torturas físicas, nesse local eu era submetida a torturas psicológicas, um verdadeiro constrangimento. Nas horas das refeições, por exemplo, quando eles nos iam levar, entravam no xadrez e com metralhadoras em punho, apontadas para mim, obrigava-me a comer. E fazia por medo e pavor, pensando que qualquer coisa que fizesse poderia ser morta.
Nesse Quartel tive total assistência medica, cujo único objetivo era de desaparecer as provas físicas e, para só depois me levar, sem marcas,  para a Secretaria da Segurança Pública de Recife, onde lá estavam me aguardando toda a Imprensa Nacional, sem nada nos informar.fiquei presa na Secretaria de Segurança Pública  de Pernambuco (SSP/PE) durante cinco dias para as devidas identificações e os registros de praxe. E, no dia 03 de março de 1972, fui finalmente libertada.  Voltei para o meu emprego na Drogaria Líder, sendo pouco tempo depois demitida, tendo em vista que passei a ser vigiada e perseguida. Fato que me levou para a clandestinidade. Pude somente ter liberdade com todas as significações desta palavra em Dezembro de 1979 com a saída dos últimos presos políticos, inclusive meu marido José Calistrato Cardoso Filho, o que me contabiliza, mais de 09 anos de repressão e perseguição.
Contudo até hoje tenho as marcas destes anos impressas em minha vida e minha alma, pois a minha família ficou sabendo de maneira brutal, pela mídia, que eu estava presa e era superperigosa. Essa noticia serviu para que o meu pai Aparício de Castro perdesse o amor pela vida e pedia a morte a qualquer custo. E no dia 29 de março, deste fatídico ano de 1972, dia do meu aniversário, meu pai morreu assassinado por assaltantes. Como isso não bastasse, toda minha família, com exceção de uma tia que tinha, me abandonou, sem compreender ao certo o que havia acontecido.

Aqui termino o meu relato, e declaro, outro sim, que nunca recebi nenhuma indenização, quer por danos físicos e/ou morais, psicológicos e materiais pelo tempo compreendido entre  o mês de Janeiro de 1972 e Dezembro de 1979.


 Isanusis de Castro Cardoso

ALN apoia projeto de doutorado

Em breve divulgaremos projeto que pretende estudar e registrar a memória dos presos políticos, perseguidos e torturados que residem no Estado da Paraíba.