Aos 23 de Janeiro do ano de 1972, ao
chegar de Recife, fui presa na Cidade de Campina Grande, mais precisamente na
Rua Vidal de Negreiros, s/n, centro da cidade às 22:00 horas. O motivo da
ocorrência deveu-se ao fato de ser noiva de José Calistrato e pertencer a ALN
(Ação Libertadora Nacional).
De lá já me levaram algemada para o Quartel
do Exército em Campina Grande e lá começaram a bater no meu rosto e no meu
estomago, me deixando completamente roxa. Depois dessas torturas me levaram
para a sessão de afogamento, que consistia em um caldeirão cheio de água, para,
mais uma vez, submeter a dores. Eles
botavam, algemada, minha cabeça dentro d`água e contavam até dez e puxava, num
verdadeiro vaivém. Depois eles continuavam a tortura, acendendo charutos e, em
brasa viva, queimavam meus seios, que ficaram completamente inchados. Essa
tortura durou cerca de três horas. Em seguida fui colocada deitada, para ser
transportada como um animal, para o
Recife. Estava algemada, no assoalho de uma Kombi, encapuzada, e eles com os
pés em cima de mim, numa cena inimaginável para ser vivida por um ser humano,
somente um regime brutal como esse tinha essa capacidade de maltratar as
pessoas de uma forma tão animalesca.
Chegando em Recife fui encaminhada para
o Quartel General do 4º Exército,
localizado no Parque 13 de Maio, ou seja, o tão chamado e propalado DOI – COD.
Nesse local, além de me tacharem de perigosa, eu sofria de diversos tipos de
torturas. Uma delas, era a psicológica, pois um bando de homens chegava perto
de mim e diziam que iriam me levar para ser jogada no mar de Olinda e que no
outro dia ao me acharem pensariam que se tratava de uma vagabunda, uma
prostituta ou alcoólatra que teria caído no mar. Nesse trajeto senti um
verdadeiro terror e a certeza de que iria, de fato, morrer. Sem nenhuma
alternativa, comecei a rezar e entreguei minha alma a Deus, o todo-poderoso.
Desse martírio, voltei por volta das cinco
da manha, devendo ressaltar que esse terror durou toda à noite. Ao voltar me
colocaram dentro de uma cela. Às 09:00
horas desse dia, me levaram para Olinda, durante esse dia não houve tortura
(também pudera, estava toda quebrada). É bom lembrar, no entanto, que nesse dia
não me deram de comer.
O recomeço das torturas me angustiaram a
cada instante., desta vez me levaram e me colocaram em um pau de arara, foi
quando tive o meu braço deslocado. Ainda no pau de arara, alem das algemas,
eles me vedaram a boca com esparadrapo e colocaram no meu nariz água com
conta-gotas.
Depois desse chocante episódio, e com já
grande acúmulo de torturas, veio um medico oficial para me consultar, porque eu
estava toda quebrada e não conseguia mais me levantar. Por ironia do destino, o
tal médico recomendou-me banho de infra-vermelho. Mas nem isso serviu para que
esses homens se sensibilizassem, além das zombarias, eles tiravam muitos
gracejos, numa cena humilhante. Isso aconteceu durante o dia. À noite me
levaram para mais uma sessão de tortura. Desta vez foi o choque elétrico,
botando fio no meu dedo mínimo do pé. Desta sessão, eu me urinava todinha e era
alvo de muitas ironias e deboches. Esta foi a ultima tortura no DOI –COD.
Passados sete dias, me levaram para o
Quartel da Polícia do Exército em Olinda, para que fosse recuperada das marcas
físicas das torturas, para, diga-se de passagem, não mostrar a aberração
animalesca desse regime ditatorial. Sem as torturas físicas, nesse local eu era
submetida a torturas psicológicas, um verdadeiro constrangimento. Nas horas das
refeições, por exemplo, quando eles nos iam levar, entravam no xadrez e com
metralhadoras em punho, apontadas para mim, obrigava-me a comer. E fazia por
medo e pavor, pensando que qualquer coisa que fizesse poderia ser morta.
Nesse Quartel tive total assistência medica,
cujo único objetivo era de desaparecer as provas físicas e, para só depois me
levar, sem marcas, para a Secretaria da
Segurança Pública de Recife, onde lá estavam me aguardando toda a Imprensa
Nacional, sem nada nos informar.fiquei presa na Secretaria de Segurança
Pública de Pernambuco (SSP/PE) durante
cinco dias para as devidas identificações e os registros de praxe. E, no dia 03
de março de 1972, fui finalmente libertada.
Voltei para o meu emprego na Drogaria Líder, sendo pouco tempo depois
demitida, tendo em vista que passei a ser vigiada e perseguida. Fato que me
levou para a clandestinidade. Pude somente ter liberdade com todas as
significações desta palavra em Dezembro de 1979 com a saída dos últimos
presos políticos, inclusive meu marido José Calistrato Cardoso Filho, o que me
contabiliza, mais de 09 anos de repressão e perseguição.
Contudo até hoje tenho as marcas destes anos
impressas em minha vida e minha alma, pois a minha família ficou sabendo de
maneira brutal, pela mídia, que eu estava presa e era superperigosa. Essa
noticia serviu para que o meu pai Aparício de Castro perdesse o amor pela vida
e pedia a morte a qualquer custo. E no dia 29 de março, deste fatídico ano de
1972, dia do meu aniversário, meu pai morreu assassinado por assaltantes. Como
isso não bastasse, toda minha família, com exceção de uma tia que tinha, me
abandonou, sem compreender ao certo o que havia acontecido.
Aqui termino o meu relato, e declaro, outro
sim, que nunca recebi nenhuma indenização, quer por danos físicos e/ou morais,
psicológicos e materiais pelo tempo compreendido entre o mês de Janeiro de 1972 e Dezembro de 1979.
Isanusis de Castro Cardoso



























Manifestantes entram em confronto com a polícia em Atenas (Foto: Reuters)